Entrevista a Mirgon Kayser

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Mirgon Kayser, amigo, blogueiro, tuiteiro (@mirgonkayser), há algumas semanas me pediu para falar um pouco sobre a violência sofrida pelas acompanhantes sexuais. Confesso que fiquei bastante receosa acerca desta conversa: a curiosidade sobre o que alguns chamam de ‘nosso mundo’ me incomoda bastante. Afinal de contas, não vivemos num ‘mundo à parte’, e é obviamente preconceituosa e ridícula esta idéia. Bom.. fui em frente. Gostei do resultado: Mirgon abordou o assunto de um modo que me deixou bastante à vontade, a conversa foi franca, abordamos assuntos polêmicos.. falei um pouco sobre minha vida, minha visão das coisas, violência doméstica, assédio moral.. 

Lá vai:

Mirgon - A prostituição é um tema bastante polêmico entre feministas e ativistas dos direitos humanos. Alguns defendem que a prostituição é sempre uma violência contra a mulher. Outros afirmam que só existe violência quando a mulher é obrigada a se prostituir, seja por exploração de alguém, seja pela sua conjuntura de vida, sem outras opções para subsistir, mas que havendo outras opções de vida, sendo feita uma opção consciente pela prostituição, não há que se falar em violência, pois a mulher possui todos os direitos sobre seu corpo, inclusive o de utiliza-lo sexualmente como meio de vida, não sendo possível, portanto, algo ser ao mesmo tempo violência e realização. Como acompanhante, qual a tua opinião sobre esse debate?

Monique - Então, Mirgon… Não consigo conceber uma escolha consciente de uma pessoa adulta, como uma violência. Não falo da prostituição infantil e de outras situações degradantes. É certo que a prostituição pode assumir uma forma degradante - e como pode – mas podemos mesmo dizer que não é degradante a situação das empregadas domésticas e outras mulheres trabalhadoras? A opção pela prostituição é, na minha visão, cada vez mais uma escolha adulta e consciente. Os níveis de desemprego no país vêm diminuindo nos últimos anos, mas não vejo o mesmo acontecer com o número de mulheres que fazem a opção pela prostituição. Não vejo menos mulheres entrando nesse mundo do que eu via há alguns anos atrás.


Mirgon - A mulher é vítima constante de todo tipo de assédio moral, uma das formas mais bárbaras de violência, muitas vezes esquecida e subestimada, em vista de seus efeitos invisíveis - ao contrário da violência física. De que forma esse tipo de violência atinge as acompanhantes?

Monique Prada - Atinge através do preconceito explicitado de forma livre no dia a dia, em conversas de mesa de bar, de comadres ou mesmo, e talvez principalmente, no âmbito da Internet, onde o anonimato nos protege e nos permite abrir mão do politicamente correto com maior facilidade e externar nossos verdadeiros pensamentos. 

Se explicita em piadas, se explicita em ataques diretos individuais (como aconteceu neste final de semana, quando sofri meu primeiro ataque no Twitter) e se explicita de forma perigosamente incitadora à violência, até mesmo física, em alguns foruns e grupos de discussões sobre o assunto. Nestes espaços, onde se deveria estar avaliando apenas e principalmente a qualidade de uma prestação de serviços, ao invés disso, se avalia personalidades, se expõe a vida pessoal, se expõe o preconceito vivo nas mentes urbanas médias. Há tópicos extremamente preconceituosos e agressivos que, mesmo em uma sociedade que nos condena ao ostracismo voluntário e à vergonha de nossa profissão, coisas desta natureza causam repulsa. Já fiz o teste, mostrando a amigas moralistas que nem sonham que participo deste mundo.

Entendo como um crime de Internet permitir que se incentive com tamanha desfaçatez e liberdade o preconceito, o ódio de classes e a discriminação, não só às prostitutas, mas como a menores sem chance de defesa (os chamados ‘filhos das putas’* Alguém em sã consciência tem a capacidade de admitir que sejam discriminados assim, às claras? Esquecem que tratam-se de crianças? Em que sentido os filhos dos clientes de putas são diferentes dos filhos das putas?!?!?). Ora, isso não é admissível em uma sociedade que se diz avançar cada vez mais em direção ao respeito dos cidadãos. É inadmíssível que este tipo de conteúdo continue no ar sem nenhuma supervisão por parte dos órgãos responsáveis.
**Aqui, me refiro especificamente a um tópico de forum de discussão entitulado: “Você já viu um filho da puta?”


Mirgon - Que agressão foi essa que sofrestes no Twitter?

Monique - Aconteceu no sábado pela madrugada. Foi um cara que disse ”continua assim. isso é felicidade: comprar roupa, beber, fumar, festa todo dia com a galera. Parabéns, papai ta orgulhoso”. E disse sem nem me conhecer, como se fosse uma regra, como se toda gp obrigatoriamente tivesse este tipo de atitude. 

(Ele é o tipo de gente que sequer considera a possibilidade de que eu possa gostar de ler, escrever, curtir a minha casa, a minha paz..)  Depois ele ainda continuou: “tu não é ser humano. tu é um objeto. meus parabéns. sou teu fã. quanto que tá a hora?”. Um cara desses destila ódio e ignorância, aposto que não sabe a diferença entre “A capital” e “O capital”..  Só que é justamente um ignorante assim que incentiva outros ignorantes iguais a ele. E ignorância somada a  ódio preconceituoso pode ser muito perigosa. Agora.. como é fácil agredir ao que lhe parece mais fraco. Ainda mais acobertado pela segurança que lhe dá o anonimato virtual. Eu, ainda que não mostre o rosto em minhas fotos, e meu nome seja ‘artístico’, estou ao alcance de um telefonema. Ele, nem imagino quem seja…


Mirgon - É possível alterar esse quadro? É possível reduzir ou até mesmo pensar na hipótese de virtualmente acabar com o assédio moral, a violência física e o preconceito enfrentado pelas prostitutas?

Monique Prada - Alterar este quadro… Olha, Mirgon: É possível, mas apenas longo prazo. Civilidade e conduta respeitosa não são coisas que nascem nas pessoas de um dia pro outro, são passadas de geração a geração, é uma questão cultural. Num primeiro momento, a única coisa que barra o preconceito é a repressão. Eu sou contra a repressão. No entanto, há sites onde se dissemina ódio e preconceito de forma violenta, e isso deveria ser tratado como crime de Internet, como são tratados temas referentes a atitudes discriminatórias em geral.


Mirgon - Tu já sofrestes algum tipo de violência atuando como prostituta?

Monique - Exceto por estas atitudes das quais te falo, puramente virtuais, até o presente momento, não. Espero não vir a sofrer, mesmo com minhas declarações polêmicas que sempre podem vir a incomodar alguém. Entretanto, apesar de ter a sorte de nunca ter sofrido nenhum tipo de violência física, isso acontece muito, até por conta desse preconceito moralista que as pessoas tem com relação às prostitutas e que faz com que sejamos vistas, como disseram no Twitter, como se não fôssemos gente, fôssemos objetos. E objeto a gente pode quebrar à vontade, não? É nesse ponto que considero perigoso o preconceito explicitado de forma tão clara e incisiva no mundo virtual. Considero que determinados comentários e atitudes são uma potencial e perigosa incitação à violência real e física contra as acompanhantes.


Mirgon - Uma outra acompanhante, Marcela*, teve sua vida interrompida aos 29 anos, assassinada pelo ex-marido. Vocês tiveram uma relação de amizade bastante intensa, tu conheceste e acompanhastes de perto a sua vida. Como foram os anos desse casamento? Havia histórico de violência  na relação deles? 
*Nome Fictício

Monique - Bom, Mirgon.. não creio ser relevante o fato de ela atuar como acompanhante. Fosse ela costureira ou advogada, isso não a teria protegido, basta consultarmos os números da violência contra a mulher para sabermos que ela está presente em todas as classes sociais. Aliás, quando nos conhecemos, nenhuma das duas atuava como acompanhante. Tivemos, sim, uma relação de amizade bastante intensa e sincera, Marcela era uma grande parceira, foram anos de convívio interrompidos de uma hora para outra, de uma maneira brutal e traumatizante, na frente do filho pequeno. É ainda um assunto complicado para mim, mas vamos lá.. Havia histórico de violência, sim. Creio que dificilmente alguém se torna violento do dia para a noite, de surpresa. Ainda assim, formavam uma bela família, os dois e o filho.


Mirgon - Ela alguma vez o denunciou ou tomou algum tipo de providência para que a violência parasse?

Monique - O denunciou mas não levou o processo adiante. É complicado, jamais pensamos que ele fosse chegar a este ponto. Denunciar é complicado, a maioria das mulheres em situação de violência ainda é insegura quando se trata de denunciar. Ou por temer represálias, ou por não desejar o mal de alguém com quem conviveu por muito tempo, e com quem muitas vezes tem filhos. Então deixa-se passar. Felizmente nem todas acabam mortas, mas a vida em situação de violencia é algo realmente degradante,  para a mulher, filhos e mesmo para o agressor. 


Mirgon - O assassinato foi mais uma agressão que resultou em morte ou houve a decisão definitiva de assassiná-la? O assassino chegou a ser julgado e condenado? 

Monique - Houve a decisão de assassiná-la, dias antes, inclusive com ameaças claras. Não tivemos tempo de recorrer à justiça, certamente também por ela não ter acreditado nas ameaças. Sugeri uma medida cautelar, mas era tarde. Ele cumpriu 27 dias de prisão, depois disso respondeu ao processo em liberdade. Não sei, realmente, se foi condenado. Cerca de três meses depois o encontrei trabalhando em um bom restaurante da cidade. Foi constrangedor. Eu tenho certeza de que ele se arrependeu, e tenho certeza de que eram bem melhores os tempos em que podia me olhar nos olhos sem a vergonha de ter me tirado alguém que foi muito importante na minha vida e, com certeza absoluta, na vida dele. Obviamente, ele tem o direito, e até o dever, de procurar reconstruir a vida, apesar do que fez. O que me pergunto é se não existe, ou não deveria existir, por parte dos órgãos responsáveis, uma política no sentido de não simplesmente punir o  agressor, mas encaminhar a um tratamento. Alguma medida educativa, psiquiátrica, algo que pudesse evitar tantas mortes e sofrimento. 


Mirgon - Na tua opinião, a Marcela poderia estar viva agora caso tivesse tido coragem para denunciar a situação a que estava submetida?

Monique - Poderia, sim. Mas poderia estar viva apenas se as coisas pudessem ser como falei acima. A simples punição não resolve as coisas. É preciso atuar no sentido do entendimento e da conciliação. A punição é, sim, necessária e bem vinda. Mas sozinha me parece ineficaz em muitos casos. Não existe prisão perpétua, e o receio de represálias ao final da pena imobiliza muitas mulheres na hora de denunciar.  Além do mais, estamos falando de famílias… Somente punição, sem encaminhamento do agressor a acompanhamento psiquiátrico, talvez não tivesse salvo minha amiga..



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Comentários

  1. Monique.
    Adorei tua sensibilidade.
    Na minha próxima visita a Porto Alegre gostarai de estar com vc.

    Z

    (Z_2000@hotmail.com)

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  2. Monique,

    Acho você uma bela mulher, quem sabe um dia nos encontraremos. Li parte do teu Blogger e achei bem criativo. Principal os teus 10 ADORO que poderemos praticar. T+

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  3. Monique,

    Te acho uma bela mulher, quem sabe um dia nos encotraremos. Li um pouco do teu blogger e achei bem criativo.

    beijos

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